quinta-feira, 15 de março de 2012

o projeto
meu nome é ibã, na primeira língua; na segunda língua isaias sales; nasci em 1964, terra indígena alto rio jordão;

temos 29 anos de trabalho nesses conhecimentos e a gente tava registrando essas histórias do huni kuin não é surgida agora, não é agora que a gente vai mostrar, já há muito tempo que a gente vinha com o nosso processo, esse conhecimento que eu tô registrando pesquisei junto com meu pai romão sales tuin kaxinawa;
eu pratiquei já o conhecimento, quando eu saí com 19 anos, eu me desloquei pra cidade pra formar  professor; aí eu comecei estudando, de 1983 até 2000; aí eu terminei o magistério e os professores me deram tarefa: - ibã, agora você vai pesquisar seus conhecimentos, você já terminou seu magistério, agora você vai aprofundando mais os seus conhecimentos;
mas ao mesmo tempo, eu tinha escrito pouco do meu conhecimento; eu voltei e comecei a perguntar pro meu pai: - pai, agora não é só no oral, agora eu tô aprendendo a ler e a escrever e eu quero registrar, escrever, não quero mais esquecer, na oralidade, quem tem cabeça boa, ele vai aprender, quem tem cabeça meio ruim é muito difícil ele aprender oralmente;
aí eu fiquei então nessa, nunca mais vai esquecer, nunca mais vai perder dentro do meu coração, dentro do meu pensamento tava pensando; então eu comecei a perguntar de novo, ele vai me dar agora resposta certinha;
nesses cantos da ayahuaska tem três tipos de música que nós cantamos: chamava a luz, yube txanima; chamava dau tibuya, ver as mirações, e kayatibu, marear com a força; três partes que nós cantamos na cerimônia do espírito da floresta ele me ensinou essas três passagens diferentes:
- olha, essa aqui só pra chamar a luz, essa só pra miração, essa na hora mesmo que você vai falando com ele, pra mandar embora, chama diminuir a força;
então eu pratiquei três posições, três caminhos da nossa música, aí isso que eu comecei a escrever; comecei a escrever na nossa língua e produzindo no caderno, todos os anos eu participava do curso de formação, eu trazia meu caderno e mostrava: - é assim? e falavam pra mim: - é nesse rumo aí esse trabalho...
em 2000, terminando o meu magistério, já entreguei 52 músicas, escritas, eu não estava acompanhando mais meu pai só na oralidade, meu pai me ensinava som, eu já acompanhava na escrita, cantando na escrita, praticando na escrita; 
aí fiquei cada vez mais olhando, então olhando por outro lado, esse conhecimento ficava de longe, pra nós o povo jovem huni kuin, nós não fala mais nossa língua direito, nós não sabe contar nossos mitos, nós não sabe cantar as nossas músicas tradicionais importantes, a gente ficava já muito longe;
era isso que eu estava pensando, então nesses conhecimento do meu avô, do primo do meu avô, do conhecimento do meu pai, então agora eu vou juntar tudo, eu quero escrever, nesse que ficando registro da música;
em 2000 eu já entreguei livro ao mesmo tempo, desse trabalho todo resultado de cantoria do meu pai, saiu o livro que eu botei o nome, chama espírito do floresta;

essa música, desde 1992 que a gente iniciou trabalho de pesquisa em espírito da floresta;
a gente aproveitou durante a formação publicamos vários materiais didáticos, dentro dos nossos ensinamentos com nossos alunos, fizemos dois livros com espírito da floresta, tem dois discos;
então registro dessa já tem cd de cantoria pronto, registro onde a gente começou a cantoria, já tá escrito pronto, aí olhando pelo outro lado, eu terminei meu magistério e agora tô entrando no processo de se formar na universidade;
ao mesmo tempo eu tô com meus alunos, com meus sobrinhos, com o acelino, que fez os desenhos do primeiro livro que eu fiz, ilustrando a história da ayahuaska, que escrevi na língua portuguesa; e já tendo livro da minha pesquisa, tenho que dar continuidade; agora eu olhando essas cantorias, essas frases; essa frase eu quero transmitir, transformar com desenho essa fala do espírito do floresta;

então isso que eu comecei junto com os meus alunos, ensinando meus alunos: - testa pra nós, desenhar...
aí começamos desenho: a jibóia, desenho dos pássaros que nós falamos, não é desenho que nós inventamos não, desenho que tá explicando na música, aí surgiu esse desenho de cantoria;
em 2002 pra 2003 eu começava a juntar os alunos, que a maioria já tá me acompanhando bem nesse trabalho, e comecei a mandar desenhar, principalmente comecei a mandar a desenhar o meu filho, bane: - bane, experimenta esse desenho como eu tô falando... quando eu falo ele vai me acompanhando com todos esses desenhos;
aí olhando ele fazer esse desenho deu pra entender: - porque eu tô fazendo esse desenho? porque o povo branco... essa bebida ayahuaska não é só pra indígena não, em vários lugares já espalhou; em cima disso nós estamos apresentando esse nosso conhecimento, só apresentando música, os txai tem muita curiosidade: de onde é que surgiu, quem que fala... então melhor que eu explicar esses pontos, melhor explicação no desenho;
pensei assim, pra melhor o povo que não conhece essa bebida das tradições, melhor entender dessa regra, dessa regra do espiritual que nós fala; aí comecei trabalhando com desenho, com os alunos, chegou o professor assessorando nosso trabalho, eu estava na faculdade, encontrei o txai amilton, mostrando desenho, ele tinha formado em mestrado com artes... 
aí que eu comecei a olhar, então vai agora surgir essa música, não é mais música imaterial não, agora vai ser material, vem de longe, o imaterial nós vamos colocar material pra ver;
por exemplo, na música que diz txã mane beime vem como um tipo de buzo, buzina, igual buzinando, essa música você ouve igual sopro, igual soprando, um tipo de buzina, várias buzinas que nós temos: aviso, buzina pra animação, buzina de miração; tem buzo de rabo de tatu, buzo de cerâmica, então quando vem a força, é igualmente o buzo: vvvuuummm... então é isso que nós desenhamos, um tipo de buzo;
nós fizemos mais assim entender a palavra que a gente fala, cada palavra fala muita coisa quando você está explicando, uma palavra já é muitas coisas: como japó, vem ligado com anta, anta ligado com veado, veado ligado com porquinho, porquinho ligado com tatu, tatu ligado com jibóia, jibóia ligada com água, água ligada com céu, céu ligado com a terra...
essa música que chama nai mãpu yubekã: nesse pedaço já tem muita palavra, cada pedacinho remendado; nai é o céu, mãpu é o pássaro, yube é a jibóia; então diz assim, nai mãpu yubekã, todos esses três remendados juntos, que nós fala; então nessa música tem vários animais da floresta que nós fala dentro da música;

então, em 2010 saiu uma lei lei de incentivo à cultura; o que nós vamos incentivar?
essa ayahuaska é coisa muito realidade, conhecimento do meu pai, então foi assim que eu comecei desenho; em 92, eu comecei agora registrar o conhecimento do meu pai, até escrever tudo, depois de terminar escrita, agora surge essa música no desenho, pra mostrar, pra ver tanto as crianças, pra ver os brancos, pra ver em vários lugares;
em 2011 nós recebemos pequena ajuda do governo pela lei de incentivo à cultura; eu convidei agora os artistas indígenas, nós fizemos um encontro de artistas-desenhistas indígenas na aldeia mae bena no alto rio tarauacá, onde meu filho trabalhava como professor, passamos 15 dias construindo material, imaterial fazendo material, com trabalho muito importante; o resultado dessa conversa é que nossa cantoria virou agora pequeno filme pra entender;
então no dia 23 de agosto apresentamos nosso trabalho numa exposição em rio branco, junto com apresentação musical do grupo de cantores huni kuin do jordão e artistas convidados;
agora o txai está organizando, editando trabalho que nós estamos querendo entregar, fazendo pequeno filme de txai puke dua, de kayatibu, de yube txanima... então o txai tá nessa responsabilidade e eu na responsabilidade de juntar com o povo, organização;

eu agradeço muito desse trabalho que a gente tá fazendo, nesse trabalho que a gente tem é muito forte, forte o que, forte a língua, na música eu encontro que a língua é realidade dentro da nossa música, por isso que a nossa música vem, é música, a cantoria vai terminar por aí não, é infinito, vai embora, não tem fim como: - ah, vou terminar esse conhecimento...não! não tem fim esses conhecimentos que eu tô fazendo, vamos continuar mais trabalho mais importante, tanto daqui, eu vou entregar também a todos os mestres o conhecimento que a gente tem, eu mergulho mais com a ayahuaska... são vários conhecimentos que nós temos, mas a realidade que eu achei foi esse conhecimento com as ervas medicinais e a ayahuaska, eu posso dizer mantendo a qualidade da minha vida de aprendizagem junto com a minha comunidade;
essa busca de conhecimento é meu interesse, não é interesse de ninguém por trás de mim, é interesse meu que é minha tarefa, essa que eu tô cuidando pra não parar esse movimento importante que a gente tem;
hoje agora é hora, temos terra demarcada, não temos mais correria; hoje temos tranqüilidade, por que nós recebemos um pedacinho de terra e agora é hora de nós organizar o nosso conhecimento e nossa cultura, importante registrar o que tem do nosso conhecimento, é isso que eu proponho, é essa minha vontade, esse o meu gosto de fazer o trabalho com muito prazer e ainda buscando mais conhecimento;

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

o projeto




cruzeiro do sul, junho de 2011

saudações amigos da tabebuia

escrevemos pra dar notícias de nossos trabalhos aqui na floresta;
como vocês sabem desde 2009 temos trabalhado na transcriação multimídia dos cantos do nixi pae (ayahuaska) pesquisados e publicados pelo professor ibã (nixi pae – o espírito da floresta (opiac-organização dos professores indígenas do acre/cpi-comissão pró-índio do acre, 2004) e huni meka – os cantos do cipó (opiac-organização dos professores indígenas do acre/cpi-comissão pró-índio do acre, 2007));
os vídeos foram concebidos como possibilidade de veicular a execução (e comentários) dos cantos por ibã combinados aos desenhos elaborados por bane (cleiber pinheiro sales), transcriação dos cantos (música e texto) na linguagem visual;
em 2010 fomos contemplados com dois projetos: a realização de seis vídeo-cantos (lei de incentivo à cultura - fem/acre) e um encontro de artistas desenhistas das aldeias huni kuin do Jordão e Seringal Independência (microprojetos da amazônia – minc);
realizamos o encontro e fizemos as gravações dos vídeos nos meses de abril e maio deste ano;
foram quinze dias de encontro, em que jovens das três terras indígenas do jordão estiveram desenhando, cantando e tocando, trocando experiências sobre saberes tradicionais;
seguiram-se mais dez dias de gravação para os vídeos e estamos atualmente no processo de edição e na produção da mostra de desenhos que se iniciará no eixo cruzeiro do sul-rio branco;
durante o mês de junho realizamos uma experiência de tradução poética (interlingüística) coletiva desses cantos no curso de formação docente indígena da universidade da floresta, com acadêmicos de diversos povos (puyanawa, nukini, yawanawa, shanenawa, marubo, huni kuin e não-indígenas), experiência que se deu no contexto da disciplina linguagem e arte com o acompanhamento e revisão do professor ibã;  

com este trabalho pretendemos contribuir apontando caminhos criativos para a atualização da proposta de autoria indígena (na qual ibã se destaca como expoente) visando atividades de pesquisa que considerem a expressão coletiva e multimídia;
pensamos contribuir também com novas referências nas práticas de transcriação ou tradução criativa (intra e interlingüística), apontando para o tráfego intersemiótico como prática de expressão que opera na base da multiplicação (diferença, divergência), invertendo a chave explicativa e etnocêntrica inerente à tradução interlingüística (convergência);
com isso, associado à prática da criação coletiva, pensamos abrir espaços de pesquisa que se apropriam de linguagens disponíveis (e sua interação) para experimentar e atualizar o perspectivismo indígena;        
considerar-se criador e produtor de conhecimento, ou “artista” como dizem os jovens huni kuin (equivocação que diz o mesmo e outra coisa), eis uma experiência que nos fortalece: daí o propósito de compartilhar a pesquisa e a arte de criar que move este projeto; 
é um prazer compartilhar com vocês nosso trabalho;
forte abraço
txai amilton tenê pelegrino de mattos